*artigo originalmente publicado no site IMPALA
Reza a história, já desaprovada pela Igreja Católica, que São Valentim era um bispo que, à revelia do Imperador romano da altura, realizava casamentos entre enamorados cristãos, retirando-lhes a vontade de guerra. Ao ser preso. conhece a filha cega do carcereiro e apaixonando-se milagrosamente devolve a visão à rapariga, mostrando que, contrariamente ao dito, o amor não é cego.
Mas o 14 de Fevereiro actual tem menos a ver com casamento e namoro e mais com lojas, jantares e presentes, tornando-se na demonstração social do casal enquanto unidade aprovada pela sociedade a amar. Com dia definido de celebração, presentes, cartões e eventos especiais, para os enamorados. Esta tradição, já agora, como tantas outras que achamos a origem milenar e incerta, vem de 1840, numa manobra de marketing de uma empresa norte-americana para vender cartões alusivos à data.
O que é um amor aprovado?
E há uma validação social associada. Demonstra-se em saídas românticas, declarações em redes sociais e embrulhos avermelhados, que o nosso amor é válido, romântico e aprovado. E que é isso de um amor aprovado? Ou de algum amor necessitar de reconhecimento? Pois bem, como tudo o resto necessita de um espaço para existir. E se até à pouco tempo esse espaço era reservado a casais heterossexuais, com os progressivos avanços legais e sociais de direitos, já há espaço para as relações lésbicas, invisibilizadas pelo preconceito de “ah, que boas amigas que andam sempre juntas!” acederem ao mesmo espaço e que os casais de homens tenham direito aos mesmo gestos românticos porque já desmontámos socialmente a ideia que o amor é para todos.
Embora ainda seja reconhecido só a dois… E assim andamos, a meter a colher no amor dos outros, dizendo como sociedade o que se pode ou não se pode, e pior, o que é amor verdadeiro e falso, segundo experiências que podem apenas vir de vivências pessoais. E a desqualificar o amor amizade, a ter pena da amiga solteira, a achar que o amigo bissexual está no armário ou a passar um fase, que aquele ou aquela não sabem o que querem porque amam muitos. Escolhendo quais as demonstrações de afecto próprias para as criancinhas assistirem, sem nos preocuparmos com os actos de violência a que assistem diariamente.
Mais fácil seria olhar para a saúde de algumas relações que nos rodeiam e aí sim meter a colher.
Porque o provérbio português entre marido e mulher não se mete a colher está muito fora de época. E abuso não é amor.Mesmo com flores e chocolates. Porque quando a pessoa amiga nos conta que o parceiro ou parceira lhe faz aquela pressãozinha para à noite ter sexo, isso não é amor. Quando a cada coisa que diz a acusa de ser maluca e nunca tem razão, isso não é amor. Ciúme, controlar o outro, isolar a pessoa dos amigos, bater, nem que seja só uma vez, não é amor. Amor é crescer, é bom e saudável e não é penoso de se viver. E abuso, não é amor. Por isso aí, metam a colher. Quanto ao resto, se a pessoa é só ou acompanhada, por um homem, mulher ou pessoa não binária, por um ou por três… vivam e deixem viver!