A convite de uma das Revistas Femininas de maior circulação em Portugal foi-me pedido que contribuísse para o artigo “Guia para Não ser traída”. Abaixo dou resposta a alguns dos tópicos ou dicas que me foram enviados para comentar e completar sobre possíveis razões que levem a uma possível traição.
Devo dizer que há uma ideia essencial neste tópico da traição. Em todo este texto irei falar, como me foi pedido de mulheres traídas pelos parceiros, homens. Sendo que haverá também mulheres que traem e relações mais diversas que as heterossexuais. Irei também interpretar traição como quebra do acordo de exclusividade sexual de uma relação monogâmica, sem aviso prévio ou reestruturação do acordo que une as partes envolvidas. Posto isto, será essencial perceber que caso haja traição, A PESSOA TRAÍDA NÃO TEM CULPA. Achar que recaem sobre os ombros da mulher e suas atitudes a responsabilidade de uma acção pouco ética do parceiro é fruto de uma cultura sexista e machista que põe a responsabilidade de uma relação feliz apenas de um dos lados da balança, do lado da mulher, encantonada no papel de cuidadora e protectora da relação ideal. E a todas nós, caras leitoras, nos parece um pouco ultrapassada esta ideia, não?
A forma principal de evitar ser traída é ter uma relação saudável com alguém em quem eticamente confiamos e da qual esperamos atitudes correctas. E, se foi traída, A PESSOA TRAÍDA NÃO TEM CULPA que o parceiro seja, ou tenha tido um momento de, cretino. A CULPA e TOTAL RESPONSABILIDADE DA TRAIÇÃO é da pessoa que a exerce. Que incorre nesse momento numa quebra do acordo estabelecido.
Passo então a responder aos tópicos que me foram enviados como “motivos que levam os homens a trair” onde me pediram “dar o outro lado ou seja as respostas para evitar, assim:”
”+ Dar atenção ao parceiro (penso que um dos motivos traição é falta de atenção) mas…. Dar atenção como? Não pode correr o risco de se tornar a mãe dele!”
Todos nós temos momentos em relações em que as balanças de poder estão desequilibradas e momentos também em que não temos tanta disponibilidade para o outro como gostariamos. é importante que isto sejam só momentos e não constantes numa relação onde um dá e o outro apenas recebe. Em todo caso, A CULPA DE SER TRAÍDA NÃO É SUA.
“+Não ter tabus sexuais (ter «esquisitices» na cama pode atrapalhar e levar o parceiro a procurar fora a realização de fantasia), assim… até onde saber os limites para não intimidar o parceiro e também não ferir os próprios valores da mulher?”
Não sabemos bem quais estes valores da mulher que poderão ficar feridos por actos sexuais consensuais e por vontade própria. Nem o que é entendido por esquisitice. O mais importante quando se embarca em relações sexuais é que estas sejam da vontade e desejo dos envolvidos. Deverá saber ouvir o parceiro e expressar os desejos claramente. Em lugar nenhum se deverá sujeitar a situações contra a sua vontade e desejos apenas para tentar segurar uma relação ou por pressão do parceiro. Há um nome para tal: violação no contexto conjugal. A RESPONSABILIDADE DE SER TRAÍDA NÃO É SUA.
“+Saber ouvir… (acho que é outra das queixas deles…) mas saber ouvir não é ficar muda, certo?! E saber ouvir não é poder julgar, certo?! Como actuar no tópico saber ouvir….”
Enquanto um dos nossos 5 sentidos, a audição, quando podemos usufruir dela, é um dos sentidos orientadores. A escuta activa implica resposta, mas mais do que isso, numa relação saudável é aconselhado empatia e capacidade de nos pormos no lugar do outro e vice-versa. Por mais duras que sejamos, julgar a pessoa com quem estamos em vez de procurar compreender é ingrato para a nossa relação, logo para nós. O mesmo é esperado do outro lado quando nos predispomos a fazer um caminho de crescimento juntos. A CULPA DE SER TRAÍDA NÃO É SUA.
”+Frequência sexual (talvez seja outra queixa deles), como a mulher que quer evitar ser traída deve actuar? Fazer sexo por agenda para «marcar ponto»? mesmo que esteja estafada depois de dez horas de trabalho fora e umas quantas em casa?!”
A dupla jornada da mulher é um dos problemas mais comuns na sociedade em que vivemos. A sugestão é que em vez de se obrigar a ter sexo com o parceiro, discutam sobre a melhor forma de dividir as tarefas domésticas que a ambos cabem, de forma a que ambos tenham disponibilidade para o outro quando chega a hora de deitar e nos momentos em que podem desfrutar de intimidade. A RESPONSABILIDADE DE SER TRAÍDA NÃO É SUA
“+ Falar com voz de bebé!! (achei este curioso numa pesquisa que fiz sobre o que irrita alguns homens)”
Curiosamente, a infantilização da mulher é uma das características da objectificação e da sociedade patriarcal, como forma de retirar autonomia e desclassificar enquanto ser adulto, relegando-a a uma infantilidade que permite que a tratemos com a mesma agência que a uma criança. Posto isto, caso tenha este hábito, perguntar ao parceiro se irrita não me parece nada mal pensado e dispor-se também a esclarecer quais atitudes ou acções do parceiro preferiria que não fizessem parte do vosso quotidiano. Se estão bem com uma comunicação mais infantil por acharem mais fofinho ou fazer parte da vossa tara, óptimo, continuem. Como pode ver, A CULPA DE SER TRAÍDA NÃO É SUA.
“+ Zelar pela auto estima do parceiro (valorizar é outra das queixas deles), ter uma parceira que valorize é fundamental, penso, mas como deve a mulher actuar para não correr o risco de ser «falsa» ou «exagerada» e valorizar sempre não é mimar demais?! Como se tudo o que ele fizesse fosse cinco estrelas, mesmo quando acabou de raspar com o carro numa parede?!”
A auto-estima, é como o nome indica, algo que faz parte do processo de cada um e do trabalho interno de cada pessoa construir, manter e melhorar. Relações destrutivas neste sentido são relações com características abusivas e nada saudáveis. Se sente que está numa situação abusiva como vítima ou agressora, procure ajude junto de profissionais e associações. Conta-se também que se escolhemos alguém para partilhar a vida seja porque valorizamos a pessoa e que esta parceria é feita de apoio e não de estratégias de desvalorização para que a pessoa não saia dos nossos braços. Não queremos que a pessoa que está connosco tenha como única razão o facto de achar que não arranja nada melhor. O mesmo vale para os dois lados. A RESPONSABILIDADE DE SER TRAÍDA NÃO É SUA.
”+ Não tratar o parceiro como mais um filho”
Primeiro é importante dizer que nem todas as mulheres têm obrigação de serem mães, não é uma missão da qual a todas incumbiram para a salvação da humanidade. Portanto o mais um é, no mínimo, acessório. Em seguida, tudo depende da relação e nível de automia que tem com os filhos existentes. Conta-se que não tenha com eles uma relação sexualizada e poderá querer tê-la com o seu parceiro. Logo aí, será diferente. Tratar a pessoa com quem está como dependente e sem autonomia pode desempoderar ambos e sobrecarregar a mulher. Também poderá contribuir para menos desejo sexual o facto de estar a infantilizar o seu parceiro. Voltamos a reforçar, que mesmo sendo este o caso, A CULPA DE SER TRAÍDA NÃO É SUA.
”+ Propor-lhe fantasia, surpresas eróticas – como actuar sem correr o risco que ele se «habitue» a que a iniciativa seja sempre dela fique «adormecido»?”
A partilha de fantasias e de um universo erótico em comum, quando exercida em contexto de casal é algo que a ambos pertence. Momentos de maior desejo entre o casal alimentarão outros momentos. Quanto mais intimidade e relações satisfatórias tiverem mais procurarão ter. Posto isto, A RESPONSABILIDADE DE SER TRAÍDA NÃO É SUA.
“+ Deverá a mulher ter outros amantes para ter maior currículo sexual e melhorar a vida sexual com o parceiro? Pode ser um conselho out e alternativo!”
Encarar qualquer aventura ou experiência sexual como parte de uma lista obrigatória que nos é impingida ou algo que devemos seguir para não sermos caretas é um absoluto disparate, deverá sim procurar o que a satisfaz, quais os seus desejos e fantasias e, criando ambientes de segurança emocional, física e sexual, dispor-se a experimentar aquilo que a deixa curiosa. Não faça nada para ser mais alternativa que vá contra aquilo que deseja e em que acredita, até porque corre o risco de se violentar e por em situações incómodas e violentas para si e para o seu corpo que poderão deixar mais ou menos marcas. A CULPA DE SER TRAÍDA NÃO É SUA.
”+ Deixar de usar lingerie provocante, e adoptar o “cuecão” de algodão, só porque já tiveram filhos, só porque acha que não está em forma, etc…”
Há quem compare o uso de lingerie ao uso de armaduras, de algo que a protege e lhe dá força. Se se sente mais empoderada, mais sensual ou sexual (sendo isto que procura) ao usar determinadas peças de roupa, use-as como um totem, não prescindindo nunca de conforto (uma lingerie bem escolhida deverá deixá-la confortável), mas não para o outro, para si, para sentir o que procura, para ganhar um pouco mais de segurança, esquecendo as normatividades e restrições impostas por códigos de beleza sociais. É perfeitamente legítimo, ser e sentir-se sexy com umas cuecas de algodão. A sensualidade não parte de acessórios mas sim da atitude com que se usam. A RESPONSABILIDADE DE SER TRAÍDA NÃO É SUA
“+ Ver mais pornografia e videos eróticos funcionará para ser melhor na cama ?”
Ver pornografia, vídeos eróticos, ler livros com conteúdo sexual, tudo isto são passos que poderemos tomar no sentido de aumentar o nosso universo erótico, perceber melhor quais os nossos desejos e fantasias. Também poderá ser uma óptima chance de criar um ambiente de cumplicidade entre o casal. Mas de forma alguma a maioria da pornografia poderá ser considerada como Educação sexual. Procure aconselhamento, educadores sexuais para adultos, textos e informação produzida aos olhos contemporâneos e largue essa ideia que existe algo como o considerado bom ou mau de cama. Existem melhores técnicas, bons e maus encontros e momentos e acima de tudo comunicações e desejos mais afinados em determinadas parelhas. Procure ter mais atenção ao outro quando o toca, comunicar como gosta de ser tocada e experimentarem em casal aquilo que vos deixa tentados. Acima de tudo, informem-se, comuniquem e entreguem-se. A CULPA DE SER TRAÍDA NÃO É SUA.
“+ Que ela não critique os amigos / família dele é o sonho de qualquer homem?!”
As famílias de origem e os conflitos entre estas e a nova família são uma das razões mais comuns para conflitos entre o casal. Cabe a cada um de vocês não permitir que seja invasiva e perturbadora o papel, nem o peso da família de origem, sem prescindir do apoio mútuo prestado e aproveitando para criar mais laços de afectividade. Em princípio poderão encarar a família e os amigos de cada um como uma belíssima hipótese de gostarem muito de quem o vosso amor gosta. É importante, que enquanto pessoas autónomas mantenham as vossas relações pessoais e amigos, como mais um circulo social e que não se fechem nem limitem a uma vivência apenas de casal, reduzindo-se a apenas uma parte do que são. Para além de parceiras, somos amigas, primas, tias, profissionais. Porquê reduzir a vida a apenas um lado? O isolamento de uma parceiro, e conflitos com cada pessoa que está na sua vida é também uma característica de uma relação abusiva. Esteja atenta para perceber se isto não lhe está a acontecer ou se não o estará a fazer ao outro. As relações inter-pessoais podem ser fonte de felicidade e diversidade. Aproveitem essa riqueza, conhecendo e respeitando as pessoas um do outro. A RESPONSABILIDADE DE SER TRAÍDA NÃO É SUA.
”+ Não ser o «homem da casa de saias» pode contribuir para não ser traída, ou seja, para aquelas mulheres que dominam tudo porque confiam mais nelas no que neles?”
Além de o uso da expressão “homem da casa de saias” ser antiquado e ofensivo, já saímos dos anos 50 em que uma mulher tinha que ser submissa à vontade total do parceiro, amo e senhor, para o suposto “bem” da relação. Sabemos agora que grande parte desses casamentos eram compostos de duas pessoas extremamente infelizes em situações de poder desiguais. Rejeitando padrões repetidos por revistas do Estado Novo, e adoptando padrões de uma revista feminina actual e do século XXI, personalidades dominantes poderão ser exercidas quer por homens quer por mulheres. Mas uma relação é feita de compromisso e de atenção mútua. Vista calças ou saias em casa, como entender, mas talvez o melhor, será que não vistam nada nem um nem outro. Procure ouvir e ser ouvida e lembre-se, A CULPA DE SER TRAÍDA NÃO É SUA.
“+ Não «pesquisar / espiar» as coisas dele, pode contribuir para não ser traída? Como resistir à tentação de olhar para o ecrã do telemóvel quando toca?”
É normal quando estamos envolvidas com alguém que tenhamos alguma curiosidade sobre com quem essa pessoa mantém contactos, quais as pessoas mais próximas e os assuntos que a preocupam. Mas daí a manter um total controle sobre quem telefona, invadir redes sociais ou qualquer outro tipo de invasão de privacidade vai muito. Dê espaço à pessoa para partilhar mas não se coíba de perguntar e explicar a fonte das suas inseguranças. Há pessoas mais intuitivas que outras, não confie apenas na sua intuição, fale com o parceiro e esteja em relações em que sente que pode confiar no outro. Se algum dia infligir alguns destes pecadilhos, diga que o fez, peça desculpa e acima de tudo, não o volte a fazer. Não se massacre por ter cometido um erro, mas pergunte-se quais as verdadeiras razões da sua insegurança, tem a ver consigo ou com o outro? E a dois disponham-se a resolvê-las.
Nada a vai salvar de uma traição, sendo uma acção pela qual não tem responsabilidade não há nada que possamos fazer. Mas quando entramos numa parceria restam-nos duas coisas, acreditar no outro e no valor daquilo que têm, regendo-se a si pelos valores em que acredita ou passar a vida em sofrimento antecipado à espera de ser magoada, impedindo-se de desfrutar do que de bom está a viver.
Haverão sempre fases boas e más em cada relação e caberá a cada um perceber o que é imperdoável e cruza as linhas do que não pode acontecer entre vocês e o que é motivo de trabalho e crescimento mútuo. É a cada relação também que compete estabelecer o acordo sobre o qual se funda e ir de tempos a tempos percebendo em que ponto se está. Dos sonhos partilhados, às expectativas. Comuniquem de forma explicita.
E se o seu parceiro a trair ou/ e magoar, entenda, o erro não é seu. Aja de acordo com os seus princípios e nunca se culpe pelo que o outro decidiu fazer. Perante um acontecimento disruptivo têm duas saídas, permanecer juntos e resolverem o que vos assombra ou cada um seguir o seu caminho. Em ambas, o necessário é comunicar.